O juiz, a polícia, o governo, o burro e o cidadão.

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O juiz, a polícia, o governo, o burro e o cidadão.

Muito se fala de segurança pública e dos vultosos investimentos necessários para que seja efetivada uma política que traga paz e tranquilidade aos cidadãos, que vivem sobressaltados com a crescente violência.
No interior de estados pobres como o Maranhão não é surpresa observar o quanto a polícia sofre de carência material para bem desenvolver as suas atividades. Falta-lhes apoio técnico, armamento necessário e até mesmo um local de trabalho digno.
Apesar dos municípios não possuírem a competência constitucional para se investirem na responsabilidade de uma política efetiva de segurança pública em seu âmbito de governo- não recebendo do “bolo financeiro federativo” recursos destinados para tal área- é comum que prefeitos de pequenas cidades forneçam apoio logístico para o funcionamento de viaturas e delegacias, ante a ausência de condições materiais por parte de governos estaduais.
No Maranhão a coisa não é diferente. Nas cidades do interior como Cururupu e Mirinzal, a população vive sobressaltada com os crescentes índices de violência, agravados pela exclusão social e atividades de tráfico.
Nessa situação toda, homens e mulheres padecem em um sistema cruel cíclico, que faz de todos vitimas, sem exceção.

Os policiais são vitimas das péssimas condições de trabalho.

Os municípios são vitimas da cobrança popular para que zelem pela segurança, sem que tenham condições para arcar com despesas estranhas às suas competências.

O cidadão é vítima da violência. E o violador de direitos, o acusado (que muitas das vezes é vitima da exclusão social) é também vitima de um sistema desumano que não ressocializa.
Foi essa situação de caos que fez com que o juiz da comarca de Cururupu-Ma, respondendo pela cidade de Mirinzal-Ma, Celso Serafim Junior,  emanasse ordem ao delegado da localidade para que conduzisse, em audiência que ocorrerá no dia 21 de  maio de 2014, um determinado preso provisório, mesmo que seja no lombo do burro, carro de boi, charrete ou táxi. Tal despacho do magistrado deu-se em função de que no dia da audiência, já previamente marcada, o preso não se fez presente, pois o delegado argumentou que lhe faltou condições materiais para conduzir o réu, tendo em vista que a única viatura que servia o município estaria quebrada.
A indignação criativa do magistrado repercutiu na imprensa maranhense e nacional, merecendo espaço cativo no portal do grupo abril, UOL cotidiano (http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2014/04/15/com-policia-sem-carro-juiz-quer-que-preso-seja-trazido-em-lombo-de-burro.htm) que retratou, em matéria, a situação de caos em que se encontra a segurança pública.
Quem acompanha as atividades jurisdicionais do juiz maranhense, que é paulista de nascença e espírita por opção filosófica-religiosa, sabe o quanto a atuação do magistrado tem trazido resultados positivos para as cidades que tem atuado. Celso Serafim é um juiz presente e residente na comarca, diferente de muitos juízes que exercem o múnus publico no sistema TQQ (terça, quarta e quinta) ausentando-se das localidades que têm por obrigação residirem.

Há na conduta do citado magistrado algo de diferente. A sua inquietação e manifestação inteligente é surpresa se considerarmos a distância que muitos magistrados mantêm da realidade, no entanto, não é diferente da inquietação dos advogados, dos servidores da justiça, dos operadores da segurança pública e dos jurisdicionados, que sofrem diante das carências dos aparelhos estatais.
Que seja ouvido os reclamos do juiz, os suplícios dos servidores da segurança pública e os gritos dos cidadãos jurisdicionados para que o Estado cumpra com o seu papel de zelar pela segurança de todos, pois caso contrário estaremos a reclamar selas para assentar nos burros do Estado, que de asnos só tem a comparação pejorativa.

Escrito por Armstrong Lemos, advogado militante no Maranhão, no ano de 2014.